O índice de 99% de tratamento de esgoto na cidade de Americana está longe de ser realidade. O dado foi retratado em reportagem especial publicada pela revista Veja, no início deste mês, e causou revolta aos que sabem das atuais condições de funcionamento do sistema de destinação do esgoto na cidade.
A Prefeitura tem explorado ao máximo o índice exposto pela revista, que não revelou a fonte na qual se baseou para obter a informação.
Apesar de consciente sobre a inverdade desse índice, a Prefeitura tem publicado anúncios de página inteira com a divulgação da reportagem do periódico.
Na realidade, a última medição efetuada pela Cetesb na ETE (Estação de Tratamento de Esgoto) Carioba, em abril deste ano, deu conta de que a eficiência da estação é de apenas 60,7%.
A ETE Carioba é responsável pelo tratamento do esgoto de aproximadamente 85% da população de Americana.
Para se ter uma ideia, a outra estação da cidade, a ETE Praia Azul, é responsável pelo tratamento do esgoto produzido em uma região de 12,34 quilômetros quadrados.
Já a ETE Balsa, de Santa Bárbara d’Oeste, trata os resíduos de uma área de apenas 2,76 quilômetros quadrados.
Para a ETE Carioba, é destinado o esgoto produzido na maior parte do território do município, equivalente a 87,07 quilômetros quadrados.
A ineficiência da ETE Carioba é uma questão polêmica que é acompanhada pelo Ministério Público desde 2004, quando foi assinado o primeiro TAC (Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta) para a melhoria do sistema de tratamento.
O último TAC, renovado em 2008, vence no final deste mês. No entanto, já se sabe que a Prefeitura não conseguirá cumprir o acordo.
“Não aceitarei prorrogações se não houver verba separada para as adequações”, adiantou o promotor de Justiça do Meio Ambiente, Ivan Carneiro Castanheiro. Em caso de descumprimento, a multa diária prevista é no valor de R$ 5 mil.
A eficiência da ETE tem diminuído com o tempo. Em 2007, por exemplo, o índice de tratamento era de 63,4% e, no início deste ano já havia caído quase três pontos percentuais.
No final do mês passado, a bancada de oposição na Câmara recebeu denúncia de que a estação estava totalmente paralisada.
O vereador Adelino Leal (PT) vistoriou o local e disse que viu máquinas e funcionários parados. O TAC firmado com o Ministério Público exige um tratamento mínimo de 75%.
O promotor lembrou que a questão do esgoto precisa ser resolvida, já que a ineficiência no tratamento resulta no despejo de resíduos no Rio Piracicaba.
Ele lembrou que um estudo recente demonstrou que 54% da mortandade dos peixes no Estado de São Paulo ocorre nos rios da bacia PCJ (Piracicaba, Capivari e Jundiaí).
Um relatório da ANA (Agência Nacional de Águas) também revelou que o Ribeirão Quilombo é um dos mais poluídos do País.
Mais uma vez, essas informações contradizem o que foi sustentado pela reportagem da revista Veja, que citou que os rios de Americana “não são mais poluídos porque 100% do esgoto coletado recebe tratamento”.
O promotor disse que ainda conduz outro inquérito para investigar a falta de coleta de esgoto.
Ele já identificou 14 pontos de lançamento do esgoto in natura e quer firmar outro TAC com o DAE (Departamento de Água e Esgoto) e Prefeitura.
Maior parte é de origem industrial
A maior parte dos resíduos processados pela ETE Carioba é de origem industrial.
Isso em função de um acordo firmado entre a Prefeitura de Americana e empresas que destinam os resíduos para a estação.
Em vez de investirem na construção de sistemas próprios de tratamento de esgoto, as empresas optaram por encaminhar os resíduos para a ETE Carioba.
Por isso, investiram na estação e, como contrapartida, ganharam quotas para despejar o esgoto na unidade pública.
As regras do acordo estão previstas na Lei Municipal 1.968, publicada em 1984. 27% do volume tratado na estação são de origem industrial.
No entanto, de toda a carga orgânica separada pela ETE, ou seja, da carga de poluente, 60% é industrial.
O promotor do Meio Ambiente, Ivan Carneiro Castanheiro, adiantou que deverá avaliar essa questão.
“Não tem estação que aguente porque o esgoto industrial é muito mais poluído que o residencial. É preciso uma modificação legislativa para tratar disso ou que as empresas façam o tratamento antes de lançar na ETE”, afirmou.
Comissão do Sinditec
O Sinditec (Sindicato das Indústrias de Tecelagens de Americana e Região) possui uma comissão específica para tratar das questões dos efluentes, inclusive as que se referem à questão das quotas das empresas para despejo de esgoto na ETE Carioba.
O diretor dessa comissão e vice-presidente do sindicato, Dilézio Ciamarro, explicou que as empresas contribuíram com metade dos recursos para a construção do sistema de tratamento da estação e por isso, através da aprovação da lei e celebração de contrato, ganharam o direito das quotas.
Ele disse que a necessidade de melhoria da eficiência da estação também é uma preocupação da comissão, mas que é uma questão que deve ser resolvida pelo DAE.
“Realmente o índice está abaixo do percentual de tratamento e o DAE precisa resolver essa questão”, afirmou.
“O convênio estabeleceu que as empresas aportariam os recursos para a construção da estação e o DAE se responsabilizou pela parte técnica, inclusive pelo tipo do sistema de tratamento”.
Ele explicou que as empresas possuem um limite definido de quantidade de esgoto a ser encaminhada para a estação e que isso é fiscalizado pelo próprio DAE.
O contrato firmado entre as empresas e a autarquia não estabelece prazo para exploração das quotas pelas empresas parceiras no projeto de construção da ETE.
DAE aposta no PAC do Saneamento
O DAE (Departamento de Água e Esgoto) de Americana aposta todas as suas fichas na liberação de recursos através do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) do Saneamento para efetuar as adequações na ETE Carioba.
O investimento previsto para a adequação da estação é de R$ 36.119.719,03, dos quais R$ 20.443.557 serão oriundos do repasse do governo federal.
O contrato foi assinado pela Prefeitura no final de agosto e o município aguarda autorização do Ministério das Cidades e da Caixa Econômica Federal para abrir a licitação para a execução do empreendimento.
Questionada sobre o real índice de tratamento da estação, a Prefeitura não se manifestou.
A reportagem do Liberal também questionou a revista Veja sobre a fonte das informações para a publicação da reportagem especial na edição de 2 de novembro, mas também não recebeu mais esclarecimentos.
Na redação da revista, a informação é que o assunto somente poderia ser tratado com o repórter responsável pela matéria, Marcelo Sperandio.
No entanto, ele estava em viagem. Na redação, também não foi localizado o editor responsável pela reportagem.
Fonte: Jornal O Liberal